Há 70 anos, a baiana Martha Rocha perdeu o concurso de Miss Universo nos Estados Unidos, um evento que reforçou estereótipos sobre o “padrão de beleza brasileiro”. Martha Rocha, que venceu o primeiro concurso oficial de Miss Brasil, era a favorita nas casas de apostas, mas acabou em segundo lugar, perdendo para a americana Miriam Stevenson.
No imaginário popular, a derrota de Rocha foi atribuída a “duas polegadas a mais” em seus quadris, uma história que virou até marchinha de carnaval. Para especialistas, essa narrativa é simbólica do estereótipo da mulher brasileira como curvilínea e “gostosa”, uma imagem que persiste especialmente entre estrangeiros.
A história das “duas polegadas a mais” foi, na verdade, uma invenção de um jornalista brasileiro que cobria o evento. A própria Martha Rocha afirmou em sua biografia que ninguém mediu suas proporções nos Estados Unidos. Esse mito pode ter sido uma tentativa de valorizar a autoestima nacional, sugerindo que a derrota se deu por um excesso de curvas, algo visto como positivo.
A psicóloga Jaqueline Gomes de Jesus, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, comenta que a expressão “duas polegadas a mais” reforçava o estereótipo da mulher brasileira, contrastando com o padrão de magreza das passarelas internacionais. A socióloga Olivia Cristina Perez, da Universidade Federal do Piauí, argumenta que esse padrão de magreza não é natural para a mulher brasileira, sendo imposto por países colonizadores.
Perez também critica a “ditadura da beleza” que prevalece, onde o padrão europeu de beleza é visto como ideal. Isso gera um mercado lucrativo para a indústria da beleza, com mulheres gastando em produtos e procedimentos para tentar se adequar a um padrão inatingível. Ela destaca que essa estrutura de dominação faz com que as mulheres se sintam frustradas e inferiores.
A historiadora Maíra Rosin observa que até entidades de turismo brasileiro exploram a imagem de mulheres curvilíneas em biquínis, vendendo a ideia de que a mulher brasileira é mais voluptuosa e sexual. No entanto, movimentos sociais e feministas têm trabalhado para mudar esse discurso, promovendo a diversidade e a representatividade.
Nos últimos anos, a mídia tem dado mais espaço para mulheres negras e de diferentes biotipos, mostrando a importância da representatividade. Rosin e Perez concordam que a diversidade deve ser valorizada como uma forma de expressão da beleza, combatendo o padrão irreal e surreal que muitas vezes é imposto.
A psicóloga Jesus lembra que, desde Martha Rocha, o Brasil passou por várias mudanças globais, mas ainda enfrenta o paradoxo de uma população majoritariamente feminina e negra que é frequentemente invisibilizada. A busca por um padrão de beleza inatingível continua a ser um desafio, mas há sinais de progresso na valorização da diversidade.